sexta-feira, 30 de março de 2018

Aarakshan

fonte imagem: https://en.wikipedia.org/wiki/Aarakshan

Acordei de madrugada depois de cinco horas seguidas de sono. Despertei quando estava em Porto Alegre, na casa de minha vó Miúda lá de São Félix, com minha irmã abuelita Jorgelina, que é argentina e mora na Ilha de Itaparica. Os sonhos tem dessas. Desvendar que é o mistério.
Bebi água, tomei banho e fui buscar um filme. Sem paciência para arte panfletária, sem estrutura emocional para algumas questões específicas como racismo e colonização das américas, na intenção da arte política, encontrei Aarakshan.
Várias queixas*! 

De primeira, senti identificação com as personagens do cartaz. É Indiano. Massa! Na sinopse a presença de questões que me interessam: cotas e educação. É esse! (...) Menino... Duas horas e quarenta e três minutos de filme. É mesmo? Beleza, vamos lá. Já me pegou. Nada nada** eu pego no sono. Só o fato de não ser hollywoodiano já gera uma expectativa diferente. Várias relações, no entanto, com clássicas produções norte-americanas, e peculiaridades indianas de se encantar.

Longe da intenção de análise crítica de um filme, estou aqui enquanto estudante universitária de pós-graduação, graduada em universidade federal na cidade de Salvador, moradora do subúrbio que frequentou a melhor escola particular da região, até a sétima série, quando fui para um colégio particular no Centro da Cidade, para classe média baixa. O ensino era de qualidade. Uma possibilidade aos filhos dos esforçados e uma alternativa antes do ensino público pros playboy e pras paty que nada queriam com a hora do Brasil. Fiz a oitava série e o primeiro ano lá em Nazaré, onde o Pelourinho é logo ali.
Depois fui para o ensino público na cidade baixa, onde boa parte dos colégios públicos agora são colégios militares com vagas bem concorridas. O salário de meu pai enquanto maquinista da Leste não deu conta das quatro mensalidades, mesmo priorizando a saúde e a educação diante de certas regalias. Ingressei na UFBA na primeira turma do curso de Bacharelado interdisciplinar em Artes, em 2009, para mim uma revolução da educação superior brasileira. Fui conhecer as cotas já dentro da Universidade, mas nunca achei que eu fosse merecedora delas, ou melhor, sempre achei que não tinha direito, pensando no fato de que tive acessos que muitas outras pessoas não tiveram, o que me dá certos privilégios.

A questão racial é sempre muito forte para mim. De tanto boiar num mar de classificações e preconceitos acerca de minha identidade, resolvi seguir meu coração, e encontrar nele as respostas para minhas inquietações sobre ancestralidade. Meu coração revela quem sou e o que tenho que fazer, quem são as minhas, os meus e por onde devo seguir para que elas e eles possam se desenvolver junto comigo. Com cabelos cacheados, tez da cor do céu quando ainda não é noite, mas o sol já se pôs, e  com a própria história arrancada, só me resta acessar a memória. É por isso que para saber quem sou, eu danço.

O filme é baseado na política de reserva de vagas em empregos e universidades. O termo aarakshan quer dizer reserva em português, segundo dicionário virtual. Na Índia a separação se dá por castas e as cotas são por necessárias reparações semelhantes às nossas: as diferenças sociais, que aqui no Brasil se dá principalmente na dimensão racial, herança colonial escravista que marca nossa história.
O filme evidencia fraudes e farsas do capitalismo e o seu poder de manipular e controlar áreas estruturais de uma sociedade como a educação, ao mesmo tempo que põe a educação e a força dos mestres acima deste poder material, efêmero e oportunista. 
Tem um tanto de utopia e um muito de possibilidades. Uma trilha sonora envolvente demais, uma fotografia rica e dinâmica. Elementos culturais que nos aproximam do território sem nos distanciar das nossas questões. Um filme de causa irmã à nossa aqui no Brasil, necessário de ser visto por mestras, mestres, educador@s, educandos, mães, pais, filhos, parentes... 
Através da abordagem do acesso à educação superior, Aarakshan, propõe reflexões sobre amor, ética, o mágico presente na simplicidade e no clichê, a infinitude do invisível e como tudo brota e vive por meio da educação. Como ela revoluciona tudo e expõe o potencial criativo de todo ser. Toda flor desabrocha com educação, toda semente dá planta e toda árvore sombreia. E é isto que temem os detentores do poder: a educação revela que não são os únicos capazes, tão pouco melhores que ninguém, como desejam suas posições sociais e raciais nos convencer, discreta e descaradamente. Dá pra ver a angústia da ameaça em seus olhos.

Muitas cores na produção, lindas mulheres com vozes fortes, cumprindo papéis necessários em territórios dominados por homens e seus pactos oportunistas. Me senti representada, ainda que os protagonistas sejam dois heróis de batalhas, no final quem junta todas as pontas soltas e faz uma amarração circular e equilibrada é a sabedoria de uma mulher. É a mulher. 
Não vejo problemas em apoiar e ser orientada por um homem ou seguidora de suas ideias e filosofia, desde que sejam propostas que contemplem o coletivo. E isso é muito feminino. 

Caminhamos junt@s e assim somos muito mais fortes; estamos entrelaçad@s nas relações e lugares comuns. Precisamos nos dar conta do mal que todo tipo de segregação nos trouxe até hoje, reparar os erros e seguir alinhados em condições e possibilidades, para que os méritos sejam representados pelo potencial real de cada um, e não pelas oportunidades que teve às custas do fardo pesado de outrem.

Enfim... com o dia amanhecendo e o cabelo com uma passadeira de cocó***, resolvi esticar mais um pouco a jornada digital para compartilhar os pensamentos e sugerir, aconselhar, pedir, talvez até implorar que assistam, todas e todos. Precisamos dessa reflexão.

Sem cunho comercial, mas facilitador, tá na Netflix. 

Bom dia. Bom feriado. Boas reflexões.



*vários babados, várias histórias, muito assunto.
**se não der certo, se não acontecer como planejado.
*** penteado que divide e enrola o cabelo só na parte da frente

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