terça-feira, 27 de maio de 2014

Morro da Babilônia. Resposta ao Professor.

Morro da Babilônia

À noite, do morro
Descem vozes que criam o terror
(terror urbano, cinquenta por cento de cinema,
a o resto que veio de Luanda ou se perdeu na língua geral)

Quando houve revolução, os soldados se espalharam no morro,
O quartel pegou fogo, eles não voltaram.
Alguns, chumbados, morreram.
O morro ficou mais encantado.

Mas as vozes do morro
Não são propriamente lúgubres.
Há mesmo um cavaquinho bem afinado
Que domina os ruídos da pedra e da folhagem
e desce até nós, modesto e recreativo,
como uma gentileza do morro.


No poema Morro da Babilônia, o eu poético tem um olhar de fora, para ser mais precisa, um olhar de baixo. Escuta vozes que descem do Morro, e por ser um observador e não um vivente daquela realidade supõe qual terror as vozes lá de cima criam.
A habitação no Morro da Babilônia começa por volta de 1907, três décadas antes da publicação do poema. Em 1940 o resquício escravista é mais intenso que hoje, quando ainda vivemos em uma sociedade etnológica e politicamente subversiva.
Na primeira estrofe, Drummond expõe a identidade do poema com o conjunto literário. O morro representando as diferenças sociais. Tratar de morro no Rio de Janeiro não precisa de tradução para desigualdade social, e no Brasil, desigualdade social não precisa de tradução para realidades entre negros e brancos, estatisticamente falando. O terror que ele afirma urbano, divide ao meio, sendo a metade cinema, imitação ou representação da vida real e a outra metade vinda de Luanda, remetendo à “migração acorrentada” – os morros abrigam percentuais maiores de afrodescendentes que as regiões de maior concentração capital - ou se perdeu na língua geral, que seria o resultado dessa mistura de etnias/línguas. O terror urbano de Drummond vem da população, seja comprando ideias cinematográficas ou sendo a própria causa da confusão de conceitos que descem o morro, chegando aos burgueses de forma inconsistente e permitindo diversas conotações.
O morro da Babilônia fica atrás do bairro da Urca, onde estão localizados quartéis do exército e marinha. Mas quando o quartel pega fogo, se espalham pelo morro, não capitães ou comandantes, mas soldados. E eles não voltaram. Alguns, chumbados, morreram. O morro ficou mais encantado. Mais desigualdade social, agora uma poética que relata sem sugestões e afirma o encanto do morro. Seria encanto o fenômeno dos soldados mortos,chumbados? Seriam as damas desiludidas, encantadas com os militares de baixa patente que se espalharam pelo morro? Talvez o viés de uma narrativa cinematográfica. De baixo, de onde se escuta as vozes, distante dos fatos, longe do morro, não é possível ser preciso ao descrever o apreciar do seu encanto.
Daí então o poeta cumpre o papel que lhe cabe ao intelecto e ressalta a incrível arte de viver da gente do morro. Sim, ele conhece vozes do morro, elas o acessaram, e sua gentileza também. A vibrante música do morro. No período em que o poema foi publicado, eram inúmeras provas do poder ilimitado do morro da Babilônia e tantos outros.
Lá debaixo, da zona sul, onde o morro fica encravado, escuta-se um cavaquinho bem afinado  que domina os ruídos da pedra e da folhagem e desce até nós modesto e recreativo. O que o poeta não sabia, ou fingia não saber, como muitos em sua situação socioeconômica, é que aquele cavaquinho era muito mais que modesto e recreativo, ele era e ainda é uma arma de longo alcance, comunicação e poder de persuasão, que ilude finos pensadores e seus resquícios de escravidão.
A voz que desce do morro é história de terror, é morte, encanto e mesmo assim, como diz o próprio poema, nem sempre são tristes ou fúnebres. Ao contrário, dominam e cantam toda a gentileza do morro.
Mirando o passado, através do contexto histórico que permeia a história das favelas na cidade do Rio de Janeiro, Carlos Drummond de Andrade, inclui extrato da época da escravidão, continua a poética na mistura de etnias, responsável por uma língua geral, aponta ao cenário militar representando as guerras em andamento no mundo e por fim encontra no seu próprio olhar, o presente paradoxal que supera a dor histórica com a arte popular, a música do morro. E para contrafrasear com o paradoxo temporal, o paradoxo social: no mesmo lugar de onde descem vozes que criam terror, desce o som da gentileza.

Peço desculpas professor, se fugi um pouco da proposição, mas duas ocorrências em nossa aula mexeram muito comigo: Numa você disse, analisando um poema, que “na maioria das sociedades a cor negra é associada à morte” e noutra disse que “quando se fala em subúrbio, remete-nos a lugar de ‘mal aparência’(ou termo semelhante)”. Sou do subúrbio e sou descendente de negros e suas colocações se apresentaram para mim como um discurso destoante da realidade (e beleza) que identifico na minha história e lugar, e me considerando poeta marginal, não encontro razões para creditar a pontos de vista, em vez de pontos de vida. Coloco-me de dentro de uma comunidade que é maioria em contingente e que detém menores poderes, e a duras penas conquista pequenos percentuais nas instituições de maiores poderes, ocupadas por minorias. Este é meu lugar de fala e ele tem o poder de desconstruir discursos centrais e fundamentados em bases subversivas. É o meu papel na história que se escreve.

Tentei analisar também em função de um dos paradoxos do Drummond, a questão do presente, passado e memória para não me prejudicar no resultado da avaliação, mas não poderia deixar escolher esse poema, e trazer essa análise em particular.
Saudações.


Natureza França

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