Estou meditando... contemplando as folhas, os cantos das aves e o vento fazendo a roseira dançar... Estou cultuando meus ancestrais. Seres da criação divina, como eu, que chegaram no planeta antes de mim.
Estou meditando... Lembrando da
minha vó, cabocla filha de santo, benzedeira, beata da congregação Coração de
Jesus, de São Félix, da Cachoeira... Guerreira que se dizia delegada da
ladeira. Da Família “Minha Terra”... Charuteira do Danemman e da Suerdieck... Estou
cultuando meus ancestrais... Seres da criação divina, como eu, que chegaram no
planeta antes de mim. Não tenho da minha vó a corrente sanguínea direta. A
corrente divina que nos uniu se representa pela existência e celebração do
encontro nesta vida.
Estou cultuando meus ancestrais.
A palavra Religião vem do termo Religare, religar. A gente pratica em “vida”,
o voltar ao que somos, a quem somos de verdade. Somos criação divina.
Sentir o contexto onde eu vivo,
de onde eu venho... Não ignorar o que foi minha vó, meu vô, o que são meus pais,
os pais dos pais dos meus pais...
Sou educadora, como minha mãe
exerceu por anos de sua vida em escola, no reforço escolar da varanda de sua
casa e até hoje com seus netos.
Muitas coisas mudam...
Eu tenho todo respeito a religião
de Jesus Cristo, muito amor e gratidão a ele também... O reconheço e sinto como
parte do Pai Criador e da Mãe Divina de Criação. Uma missão linda... Remissão e
Redenção.
Minha vó cultuava Jesus Cristo e todas
as forças da Criação Divina. Ela cultuava o mar, as folhas, respeitava o vento
e os trovões, rezada ave maria e cantava cantiga de caboclo no terreiro de
China, sob a proteção da velha cajazeira... Ajudava todo mundo e nunca desejou
mal a senhor ninguém.
Contava heroica que um dia o
ladrão invadiu sua casa e ela botou pra correr com o facão... A delegada da
Ladeira... Adotou minha mãe, filha de preta com homem mestiço.
Minha vó era
herdeira genética Tupinambá. Meu pai é pescador, viaja de bicicleta, acredita
em Deus, leu a bíblia e o evangelho segundo o espiritismo algumas vezes... É
meu Mestre e de muita gente.
Tenho todo respeito ao Cristo de Nazaré,
mas na minha veia corre sangue de preto, de índio e tenho também a mancha do branco invasor. Luto diariamente buscando, reconhecendo o que tenho e o que sou. Para não me perder. Sou verdade ao religar com o que meu corpo, meus sentidos, minha alma
vibra e reconhece.
Eu sou do tambor. Do maracá. Eu
sou negra tupinambá que acredita na força de todas as criaturas divinas e
reconhece suas vibrações. Não estou vinculada a qualquer doutrina e vivo a religião. A conheço e nela me reconheço.
Estou meditando... Sentindo a
força do metal, a lança que corta os males que tentam me chegar... Sinto seu
derretimento no fogo transcendendo a tecnologia de meus ancestrais. Quem foi
que disse que a cultura africana e indígena estavam estáticas não conhece capoeira,
candomblé, pajelança e toré. Não conhece o movimento das nossas mulheres
guerreiras. Ancestrais que aqui nasceram, viveram e escreveram com seu sangue a
história que hoje vivemos.
Estou cultuando meus ancestrais.
Minha alma não consegue se religar a uma cor, um lugar, a um deus
que nos foi imposto. O reconheço, como deus da cultura de um povo, não como meu deus.
Para ser fiel a este deus, muitos dos meus morreram. Fomos
e somos exterminados diariamente para ser como aqueles que nos escravizou e
segue escravizando, impondo o seu deus. Deus é força e homens falham.
Sinto uma força tocando dentro de
minha costela agora... Do lado esquerdo, na parte de trás.
Estou meditando... Sentindo as
forças que vibram em mim. Lembro dos meus. Vivo meu quintal, o mar, os
presentes que Deus me deu.
Olorum, Tupã, Jah, Oxalá,
Iemanjá... Eu sou filha da força da terra que me criou. Da Terra que eu sou. De
onde eu vim é excelência para onde eu vou. É necessário que eu saiba. Que eu
pense. Que eu creia.
Estou me religando ao Deus que vive em mim e a tudo aquilo
que ele criou. Sem subestimar, sem discriminar.
Estou meditando... Compartilhando
com a irmandade o que meu coração recebe do alto. Do centro. Do Sul. Das
profundezas do universo em mim.
Saravá, Txai!