De onde vem tanta água salgada, escorrendo a alma de um
coração tão doce?
De onde vem tanta água que não sei cessar?
O que guarda a memória que lembrança nenhuma é tamanha para
contar?
E é tão forte, meu deus... Tão forte, santos meus... Me fortalece, soberana
rainha...
De onde vem a força que transborda dos zóios, o desaguar de
um coração que deveras sabe, e não diz?
Quem sou eu...?
Quem sou eu...?
Sambadeira chorosa folheando a história dos antigos meus.
Dona Aurinda de Itaparica... Dona Chica do Pandeiro... Ana,
Dona Dalva, Mestre Gilson... Domingos Preto... Seu Deodato...
Me samba a enxada, o prato... As tábuas do charuto... A
terra pra trabalhar... Levar da roça para vender na feira da cidade.
Minhas lágrimas correm um labirinto profundo, antes de se
mostrarem ao mundo.
E este solo é fértil d’água...
Ô muié... Fala! Conta!
-Não sei falar... Não sei dizer... Só sei ser.
Tem alguém ai que saiba ler as águas? Me traduzir a alma?
Há um lago misterioso aonde nado, nado... E nada, nada posso
ver.
Vem com as águas!
É tanta água que só nessa leva, cai desde o começo da prosa.
Chorosa, saudosa do que não sei.
(...)
Ontem me chegou uma reza que dizia assim:
“Minha raiz é Cachoeira
Sou um ramo do Recôncavo
A Bahia é minha terra
Do mundo sou patrimônio”
Se um dia eu merecer navegar com saber, entre as águas que
brotam da terra e as ondas que chegam do mar, prometo:
Uma história bem bonita, me farei sabida, para ao mundo
inteiro poder contar.