Agora estou na casa de meu pais, no
subúrbio onde cresci. Não posso sair, tem ocorrências de violência no caminho
ao trabalho. Eu caminho para lá e para cá. À beira do desespero. Pelo ócio,
pela dor, pelo medo... Somos peixinhos dentro de um aquário cheio de tubarões,
cheios de fome. Todos peixinhos iguais. Pequenos, coitados...
Pagamos nossos impostos, que
pagam vossos salários. O sistema media, repassa. Eles não gostam, retrucam,
questionam. Mais uma vez, então, lhes pagamos. Agora com nossas vidas, lágrimas,
pavores. O cliente sempre paga a conta. No discurso aparente o cliente sempre
ganha, mas na verdade, ele paga tudo, sempre! E no sistema público, nós,
clientes que mantemos essa porcaria, pagamos todas as suas contas.
A TV noticia que as escolas
públicas irão funcionar, e as entidades de ensino particular não funcionarão. Lógico.
Se eles dizem que a segurança está presente no estado, como vão anunciar que as
escolas não podem funcionar? “Pode, sim! Vai todo mundo para a escola que a
segurança está mantida na cidade!”. Os
meninos que podem pagar são protegidos. “Nossos meninos não vão à rua com essa
hostilidade que se firma.” Os SEUS meninos não podem ir, mas os NOSSOS podem???
O meu filho estuda em uma escola particular, mas os meus meninos, não. Suas
mães não podem pagar.
Já vi isso antes. Eles vão
crescer. E tudo se repetirá. Na corporação militar ou marginal.
E a notícia subverte os cenários.
O Pelourinho tem polícia, o Farol da Barra também. Os eleitores de outros
estados e nações certamente estão protegidos. Nossos eleitores não. Porque seus
votos não tem valor. Seus valores sim. A eleição é conseqüência da cultura do rebanho,
que recebe uma mídia aberta para lhe fechar a cabeça, trancar a memória,
ignorar as lições. Tão evidentes lições. E as escolas públicas permanecem
abertas até em greve de polícia, porque o objetivo é educar, criar pensadores,
sensatos, homens que saibam negociar, compreendam questões, deficiências e
necessidades sociais.
As escolas públicas precisam
funcionar para que nossos meninos continuem encontrando em seu caminho para
aula a violência urbana, o egoísmo, o abandono, a brutalidade e banalidade de
tudo isso. E daqui há 10 anos possam promover greves ainda mais articuladas,
pensadas e sensatas, como essa que sofremos hoje.
A escola pública assegura a
segunda educação, em parceria com a família que em nossa sociedade está cada vez
mais estruturada e objetiva. Como suporte incondicional está a TV pública, tudo
o que de melhor pode-se oferecer como jornais com ênfase nas mais
extraordinárias ocorrências sociais das últimas décadas e novelas cada vez mais
criativas e com propostas fundamentais para o crescimento do ser humano
enquanto membro da sociedade em que vive.
E abraçando todos eles, o estado.
O Grande Pai de todos. Cobrando leves impostos, permitindo-nos gozar com vigor
do desenvolvimento que proporciona, repassando aos seus servidores uma fatia
farta, garantindo serviços à população que banca todo o sistema.
Tenho chorado muito nos dias que correm
essa greve. Meu filho me abraça, me conforta, me traz água... Tenho canais muito abertos, por isso sou vulnerável a certas
energias. As ocorrências de violência, infelizmente, me são estatísticas. O que
me angustia é sentir a disseminação do mal. O homem que vive à miséria, por exemplo, lutando
para sobreviver, de repente se vê tentado a lesar alguém ou alguma instituição
para o bem próprio. Pioro ao pensar na reflexão deste homem antes de decidir, buscando
exemplos de referência para ratificar sua índole. Poderá pensar no seu governo, na sua escola, na sua polícia e na sua TV, e em tudo aquilo responsável por sua
educação e pela educação de seus ancestrais... Temo nas respostas que esses
homens recebem de suas consciências, de suas memórias, de suas margens.
É importante para refletirmos que
a sociedade cria seus homens e que cada órgão social tem sua responsabilidade
enquanto formador desses indivíduos. Quando esses órgãos não cumprem o seu
papel, somos todos prejudicados. Logo, somos responsáveis pela formação social
em que estamos envolvidos. E se não aproveitarmos o momento de desequilíbrio
e desordem promovidos pela greve de polícia em nosso estado para alastrar a
conscientização da responsabilidade de cada um de nós, enfrentaremos novas e
mais desestruturadas rebeliões nas próximas décadas.
Agora eu moro em um condomínio
com muros, cercas elétricas e segurança 24 horas. Mas não quero me trancar em
casa apavorada por meus semelhantes. Eu sei que o mal não é de todo grande, ele
é nutrido por nós mesmos quando ocultamos o bem. E há o bem. Em todos eles; em todos nós. Dessa educação e cultura carece o nosso rebanho. Do bem incondicional, da gentileza, da igualdade,
da confiança.
Nós construímos esse povo
Nós somos o povo
Sejamos ele. Iguais.
Ignoremos o podre poder
Salvemos os homens
As crianças
Com unicidade de nação
Para que no futuro o nosso povo
não nos vire as costas.