terça-feira, 2 de dezembro de 2014

escola de dança

no universo de todos os corpos, o meu:
negro

corpos amedrontados em fileira, sobre a madeira
negra

retratam os corpos um ofício branco e preto

corpos estampados de cinza tomam a folha inteira;
corpos quase sem tinta

no meio da fila, quase no canto e sozinho
o meu corpo negro

pequenino a uma janela gigante sob a mira dos olhos do alto
cabeça cabisbaixa coroa o corpo
negro

no vão das paredes da academia eurocêntrica
estão colonizados e iludidos os corpos
negros

se vestem de uma dança estrangeira
cada vez mais distantes de sua dança verdadeira
e negra




quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Educação objeto ou objetivos da educação

Ninguém escapa da educação... Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com Educação.”
BRANDÃO, 1985

A educação é tão abrangente quanto as relações humanas. Ela ultrapassa o ambiente escolar, ocorre em casa, na rua, na igreja, na escola... Realizamos atos de aprendizagem a todo instante e não podemos desvincular nossa vida deste processo que é a educação.

A partir desta amplitude conceitual, podemos considerar objetivos da educação a formação humana, social, escolar, econômica e científica de educandos, seja nas instituições educacionais ou nos mais diversos ambientes paralelos e complementares, responsáveis pelo aprendizado de alunos e sujeitos sociais. No entanto vivemos uma dinâmica globalizada que tem por excelência atender às demandas dos detentores de poder em sua engrenagem econômica, considerando que vivemos um globo capitalista.

Várias reformas educativas foram realizadas em países da Europa e América nos últimos vinte anos e interessante, desde já observar, é que nem todos os países que estão inseridos nessa organização mundial capitalista estão aptos a decidir sobre ela, sendo alvo de suas decisões que muitas vezes não condizem com a realidade social de sua nação.
O sistema capitalista mundial, a globalização dos mercados e a doutrina neoliberal fomentaram mudanças significativas no sistema educacional, ambiental e social dos países desenvolvidos e aqueles chamados emergentes, em desenvolvimento.

Diante das influências exercidas pelos setores dominantes e da voz ativa de determinados setores sobre outros, considerando os principais interesses destes países, talvez fosse mais sensato, não mais satisfatório porém, tratar dos objetivos globais sobre a educação, que é o tema em questão, do que os objetivos da própria educação, uma vez que ela sofre as consequências de interesses que são economicamente mais fortes e priorizados nestes processos de desenvolvimento mundial e suas pautas são atendidas dentro da estrutura dos interesses econômicos.

Avanços técnico-científicos e as mudanças nos processos de produção garantem o desenvolvimento social, afetando diretamente a educação, que passa a ser também uma mercadoria, serviço que se compra, tendo a escola que se flexibilizar a essas transformações e se adequar a estes novos recursos tecnológicos. Estes avanços são inclusivos ao mesmo tempo que excludentes, pois os países em desenvolvimento não conseguem acompanhar a velocidade e se integrar aos países desenvolvidos por todo o contexto histórico e social que contextualizam seus territórios.

A falta de considerações acerca das diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento implica em problemas sociais como fome, desemprego e desigualdades entre países e grupos sociais. Problemas globais como a devastação ambiental, o desequilíbrio ecológico, esgotamento de recursos naturais e problemas atmosféricos também afetam os grupos sociais e consequentemente a educação nos países menos favorecido por essas perspectivas.

A industrialização e mercado tecnológicos começam a ditar as regras e conduzir as esferas sociais conforme suas demandas e objetivos. A necessidade de conhecimento e informação e as constantes mudanças na organização educacional, nas metodologias e disciplinas aplicadas para a formação educacional, tudo refere-se a um serviço da educação ao capitalismo e não à sociedade que atende.

No Brasil, dentre as mudanças nos sistema educacional, paradoxos são recorrentes nesta confusa prática que em vez de olhar para a formação educacional e seus legítimos beneficiários, atende ao sistema altamente dinâmico que se transforma a cada momento e reflete em todos os setores que o servem. De um lado estão as políticas educativas que expressam intenções de se aumentar autonomia das escolas e professores, do outro lado a questão da crise de legitimidade dos estados que dificulta e efetivação de investimentos em salários, carreira e formação do professor, com o pretexto de redução de despesas, inserindo uma lógica contábil e economista ao sistema educacional.

As políticas educativas e educacionais não são autônomas e servem às políticas econômicas globalizadas. As normas, leis e diretrizes da educação estão sujeitas a decisões políticas. A globalização por sua vez pressupõe uma submissão a uma racionalidade econômica baseada no mercado global competitivo. Mercados comuns como MERCOSUL, NAFTA, UNIÃO EUROPÉIA, dentre outros, conduzem os processos de tramitação mundial aos quais a educação está submetida.

Historicamente a educação se organiza de acordo com as condições sociais vivenciadas no momento, ou seja, as condições socioeconômicas do país em determinado momento histórico.

Diante de toda essa dinâmica de transformações pautadas em interesses adversos, inseridos e adaptados à realidade da educação em nosso país, é importante estar atento à formação do estudante enquanto observador atento, questionador, buscador de informações que complementem e contraponham os conteúdos e métodos aplicados, considerando que a educação não está voltada primordialmente para o sujeito educador ou educando, mas para um sistema operacional que detém o poder econômico, regula as legislações e impulsiona os processos através de perspectivas mercadológicas, que não contempla diretamente a educação mas a quem a educação deve contemplar, segundo suas perspectivas de desenvolvimento e lucratividade. Os cidadãos formados nas escolas devem ter ciência dos problemas sociais e observar atentos às entrelinhas de sua legislação, segundo os interesses dos detentores de poder para que assim, mesmo sendo parte deste sistema, possa conduzir seus pensamentos cm autonomia e possibilidades de mudança em seus micro territórios, entendendo estes locais como as salas de aula, os ambientes familiares e as comunidade das quais possa fazer parte, pois nós brasileiros não somos contemplados na ordem de retorno do sistema capitalista, o servimos, ele se fortalece e retorna de forma engessada para os modelos sociais contemplados por ele.


Referências:
LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira; TOSCHI, Mirza Seabra. A
educação escolar: políticas, estrutura e organização . São Paulo: Cortez,
2003.
Resumos virtuais:




Atividade realizada para o componente curricular EDCA02/Organização da educação brasileira 2

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

ele é meu pai

ele prepara o café, o almoço e o jantar
e não é qualquer coisa
chego bem tarde e ainda posso escolher:
sopa ou munguzá

acorda cedinho e molha as plantas
cuida da horta, colhe tomates
vai à feira comprar no freguês
cuida de mãe, de filho e de mim

no almoço quibe de forno
quiabo e arroz integral
rúcula e alface do quintal
tempera o alimento seu coração

ele pedala... daqui ao sertão
minas, compostela, maranhão
todo o mundo seu chão
quem não reconhece um mestre?

pesca de linha e toca violão
vela no mar, frescobol na areia
com ele sou pequenina
me chamo espelho de sua vida

ele...
ele é...
ele é meu...
ele é meu pai.

te amo, téu. te amo muito.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

mulher negra

alma enviada da terra mãe
tu és grandeza deste chão

consistência de nanã
doçura de oxum
sopro de yansã
infinito de yemanjá

já...
já...
já...

és a força da terra
fertiliza o amor da criação

alonga os ombros
abre o peito
expande a consciência
pés firmes ao solo
abertas mãos

sê mediação cósmica
te entregas ao universo em servidão
não deixe passar em vão
aqui vieste para trabalhar

une em si o diverso
emana e floresce a vida
enche de amor a grande roda que habita
retribui à mãe divina
bençãos do criador

cria a dor de gerar
dorme e acolhe tua cria
em sonho acordado
tua cria...

em noite e dia ciranda
cirandar a dança
dança e ensina o viver
vive e dá a vida
a todo ser

sê negra
sê chama
a vida te chama
ser mulher

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

"Aninha"

poema de lágrima
joia d’água
coisa rara...
e sabe quem é

“escute aqui, seu fulano
fique sabendo uma coisa,
gosto mesmo é do meu samba!”

segura a menina
sorrindo e sambando
feliz do menino que cresce
com pandeiro na mão

cidade monumento
história se faz é com ação,
coração de mãe
e abraço especial

a filha da senhora
é mãe dos herdeiros
a engrenagem freitas
da família designada

me conta sorrindo
e eu a chorar...
memória e lembrança
de vida que não acaba

na cozinha ela prepara
a pipoca de mainha
a pipoca de Obaluaê
ela não para...

me fala baixinho
chorosa recorda Luci
mãe, filha e irmã
a sua joia de axé

cuida da gente
com tanto carinho
talvez não saiba
que também cuida de mim

faz do presente um sorriso
guardado na alma
é cantadora e sambadeira
do mirim à dona Dalva

seu nome é Ana
e eu só sei dizer Aninha
a flor do recôncavo
no infinito desabrochar

eis um ingênuo poema pra ti
pétala da divina flor
Aninha, diva e flor
do meu jardim de amor




quarta-feira, 6 de agosto de 2014

ponto de jongo: a corda filhos da semente

essa noite eu tive um sonho verdadeiro
acordei e me mandaram eu cantar
eu lembrei dos tempos de cativeiro
tempos de filhos da semente na senzala

ilá ilê lá lá ê ilá ilê
sou da bahia sou do rio de janeiro
ilá ilê lá lá ê ilá ilê
sou maranhense de são paulo eu sou mineiro

era certo no alvorecer do sol
mamãe mandinga ir na roça me chamar
para limpar a sujeira que sinhô
todo dia fazia mais sinhá

ilá ilê lá lá ê ilá ilê
a corda gente para a luz do povo negro
ilá ilê lá lá ê ilá ilê
vai iluminar o coração do mundo inteiro



oferto esta graça divina e ancestral a jociara souza, por seu brilho, força e continuidade.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Dança: Descobertas e Libertação.


(...)

A menina mestiça nascida em Cachoeira e crescida em Salvador não tivera contato com suas origens ancestrais. Além do distanciamento da cor, a sua matriz cultural estava dissolvida numa colônia de exploração e catequese forçada.

(...)

No Rio de Janeiro, onde também pulsa a herança étnica de África, comecei a sentir vibrações diferentes nas rodas de Capoeira.

(...)

Minha identidade ancestral começou a florescer e foi se revelando em muito mais que amor. Aos poucos eu ia, e vou, descobrindo o que esse turbilhão de sensações quer me dizer.

(...)

Voltei para a Bahia, voltei para morar na periferia de Salvador com uma outra visão de mundo e ações, com a missão de multiplicar aquilo que foi perdido e com o distanciamento, foi deixando nossa comunidade também perdida no curso de sua história.
Tudo mudou porque eu não voltei, estou seguindo no caminho.

(...)

Até hoje não sei com clareza o que acontece quando estou dançando, mas respostas para inúmeras questões são trazidas pelo contato da música com o meu corpo, que vou conhecendo e descobrindo mais a cada dia.

(...)

A dificuldade de me enquadrar em perfis estereotipados de dançarina ou coreografias muito marcadas me distanciaram de atividades que iniciei quando criança. Mas a vibração da dança sempre foi involuntária dentro de mim. A música, principalmente de percussão, bate neste corpo como as mãos daquele que toca os atabaques.


(...)

Os moldes sociais foram persistentes em me acanhar, e ainda são, mas de alguma maneira eu sempre burlava esse sistema aprisionador e caia na dança.

(...)

Como toda experiência, os espelhos daquele quarto me ensinaram demais. Sozinha em casa eu dançava, dançava, dançava... E longe das técnicas coreográficas eu desacorrentava meu corpo.

(...)

Uma amiga certa vez declarou que quando nos conhecemos ela tinha vergonha de sair comigo para dançar porque as pessoas ficavam me olhando.

(...)

E tudo isso fez muito sentido para mim, pois nas palavras de Lulu eu ia encontrando as crianças negras da periferia com suas cabeças baixas, seus olhares escondidos, um andar de quem foge, se esconde, teme o olhar do outro... Teme um chicote chamado discriminação. 

(...)

Notei que meu corpo também estava colonizado e se as pessoas já se chocavam com a minha dança, a partir deste dia, elas que se preparassem porque as correntes que ainda me acorrentavam, estavam sendo partidas naquele momento. 

(...)

Admirada com o discurso do grande coreógrafo de Butoh, Kazuo Ohno, de que quanto mais se aproxima da técnica, mais se afasta da vida e ainda que ignora técnicas e estruturas para focar no espiritual, fui encontrando mais respostas para essa dança que sai de dentro de mim e antes nasce em um lugar sagrado para onde estou, em religação, a seguir.

(...)

Já tenho 31 anos.

(...)

É como acordar, tomar um banho, se vestir, perfumar, pentear e sair de casa, mas até que se chegue ao destino e realize o que motivou a sair, não está completa. Pronta sim, completa não. 
Daí a cabocla entra na roda e todo o universo a abraça num movimento único que é tão dela quanto do mundo inteiro. Quando essa cabocla dança tudo se explica. E leve ela volta para casa na malemolência da vida, na mandinga de Angola.


(...)

Achei interessante... Impossível fazer o mesmo movimento duas vezes. Dentro e fora da gente é tudo diferente a cada instante, logo cada movimento virá carregado de um “novo recheio”.

(...)

Não tenho a postura corporal ideal, pois estive longe das técnicas, mas nunca me distanciei da dança, por isso sei que tenho a dança ideal: a minha dança. E ela é mutante e mutável porque ela sou eu.

(...)

O que é certo e o que é errado então? Nas aulas de Lulu e na vida, eu faço como meus ancestrais, vou refogando o certo com o errado, tempero com o que presta, aquilo que dizem não prestar, misturo com muito amor e recebo o axé para preparar uma feijoada de “branco lamber os beiços”.  

(...)

O conhecimento teórico para os olhares alheios pode ser algo bem superficial nas disciplinas de dança. Nos poucos títulos que conheço de inúmeras publicações que a dança preenche no mundo inteiro, vou encontrando palavras para descrever, ou pelo menos tentar, esse diálogo que a dança traça com meu corpo e minha alma.

(...)

Sinto-me assim, um corpo mediador de um continente mãe que não quer calar.

(...)

Para mim também a dança é carregada, é forte e espiritual.
Danço para Deus, para a música e para mim. 
Se a minha dança tocar de alguma forma o irmão presente, estou dançando para ele também.

(...)

Numa viagem recente a um lugar quase intocado na Chapada Diamantina, descobri que as árvores dançam. Descobri que dançam ao som da vida.
As árvores dançam quando estão crescendo e até que voltem para adubar a terra, estão em movimento os seus galhos, seu tronco e suas folhas. E nós, meros efêmeros, não conseguimos acompanhar esse movimento porque temos muita pressa e muito que fazer.

(...)

Carrego para a sala as danças que a vida me dá, e levo de lá as novas danças que nascem desse encontro entre meu corpo, o espaço, movimentos e toda a sabedoria abordada naquele retângulo que, por suas janelas, respira o mesmo ar que as árvores lá fora.

(...)

O Professor é um Mestre que devia ser mais respeitado. O Professor que cutuca, desafia, esbraveja. Professor que se importa com o aprendizado do aluno muitas vezes até mais que o próprio aluno.

(...)

Quantos alunos pouco se importam com as aulas de Prática de Dança, mantendo o seu desequilíbrio funcional, desconhecendo as origens de muitas das suas aflições?

(...)

O homem ocidental europeu convencionou a escrita como grande fonte de conhecimento, fazendo o homem crer que está aquém de um conjunto de códigos que o limita, ignorando a pesquisa, maior preciosidade do aprender. (...) Mas o que esses e tantos outros homens e mulheres descobriram e ensinaram não será possível de codificar porque está para além das palavras, assim como a dança.


(...)

O meu coração bombeia dança e educação. A dança é o combustível do meu corpo e a educação é o combustível do meu povo.

(...)

Eu não sei aonde vou chegar, mas ficar parado dói, seguir é um baile e eu adoro bailar.

(...)

Da minha cultura ancestral ainda tenho muito que aprender. São poucos os registros, mas o colonizador não deu conta de apagar nossas memórias, as memórias de nossos corpos e a história que nossa gente viveu.

(...)


Sinto profundidade tamanha em tudo isso que a minha dança é, nada mais que um rastro da memória guardada na história de minh’alma. 




Recortes do diário de bordo, atividade proposta pela Professora Lulu Pugliese na disciplina de  Prática da Dança, Universidade Federal da Bahia.











quarta-feira, 28 de maio de 2014

áfrica alma brasileira

antes designado mercadoria da nação
arrancado dos seios de mãe
mareado por ventos e tempestades
irmãos ao mar

o chão que pisa desconhece
a mão que abriga chicoteia feridas
a natureza observa o respirar da vida
que não dá regalia

o destino negro é recomeçar antes de ser
acordar antes do amanhecer
dormir cedo e suado

o fardo negro é vaidade
e preguiça do senhor do tráfico
fragmentado na espécie que abortou

a carne é uma espécie de massa
modelada sem dó
na colonização deformada da raça sem cor

aquele que te “filhou” é opaco junto a ti
que plantou a terra com coração,
silenciou na mata velada,
velou a cachoeira mais alta
e bebeu água pura de sabedoria

faz tanto tempo que estou aqui... não lembro como a pele desbotou e o cabelo amoleceu. Talvez na lama do alimento, no barro da engoma, na areia do terreiro... Não sei.
Agora eu vejo de fora, falo de perto e sinto de dentro o que a gente viveu nessa terra onde batalha é dia e celebrar é ordem de deus.

banhei nas águas do cabo verde, no rio senegal
cortei meus sonhos em cachoeira, no canavial
sonhei outra vez

para rezar meu povo canta
para comer a gente reza
a alquimia perfeita é oração manifesta

na praça da capital me chamaram vadia e só de pirraça, cheia de graça, eu dancei.

dancei o saber do meu povo
que disseram saber de nada
na umbigada, quem dança comigo sente
revelando o que pensou desconhecer

a dança declara que não foi de graça
aonde a dor foi semeada
água é o que não falta
e fertiliza alegria por onde passa

para as batalhas que ainda nascem com o sol, preparamos novas armas e usamos a mesma armadura, tão velha quanto renovada, que chamamos de alma.




terça-feira, 27 de maio de 2014

Morro da Babilônia. Resposta ao Professor.

Morro da Babilônia

À noite, do morro
Descem vozes que criam o terror
(terror urbano, cinquenta por cento de cinema,
a o resto que veio de Luanda ou se perdeu na língua geral)

Quando houve revolução, os soldados se espalharam no morro,
O quartel pegou fogo, eles não voltaram.
Alguns, chumbados, morreram.
O morro ficou mais encantado.

Mas as vozes do morro
Não são propriamente lúgubres.
Há mesmo um cavaquinho bem afinado
Que domina os ruídos da pedra e da folhagem
e desce até nós, modesto e recreativo,
como uma gentileza do morro.


No poema Morro da Babilônia, o eu poético tem um olhar de fora, para ser mais precisa, um olhar de baixo. Escuta vozes que descem do Morro, e por ser um observador e não um vivente daquela realidade supõe qual terror as vozes lá de cima criam.
A habitação no Morro da Babilônia começa por volta de 1907, três décadas antes da publicação do poema. Em 1940 o resquício escravista é mais intenso que hoje, quando ainda vivemos em uma sociedade etnológica e politicamente subversiva.
Na primeira estrofe, Drummond expõe a identidade do poema com o conjunto literário. O morro representando as diferenças sociais. Tratar de morro no Rio de Janeiro não precisa de tradução para desigualdade social, e no Brasil, desigualdade social não precisa de tradução para realidades entre negros e brancos, estatisticamente falando. O terror que ele afirma urbano, divide ao meio, sendo a metade cinema, imitação ou representação da vida real e a outra metade vinda de Luanda, remetendo à “migração acorrentada” – os morros abrigam percentuais maiores de afrodescendentes que as regiões de maior concentração capital - ou se perdeu na língua geral, que seria o resultado dessa mistura de etnias/línguas. O terror urbano de Drummond vem da população, seja comprando ideias cinematográficas ou sendo a própria causa da confusão de conceitos que descem o morro, chegando aos burgueses de forma inconsistente e permitindo diversas conotações.
O morro da Babilônia fica atrás do bairro da Urca, onde estão localizados quartéis do exército e marinha. Mas quando o quartel pega fogo, se espalham pelo morro, não capitães ou comandantes, mas soldados. E eles não voltaram. Alguns, chumbados, morreram. O morro ficou mais encantado. Mais desigualdade social, agora uma poética que relata sem sugestões e afirma o encanto do morro. Seria encanto o fenômeno dos soldados mortos,chumbados? Seriam as damas desiludidas, encantadas com os militares de baixa patente que se espalharam pelo morro? Talvez o viés de uma narrativa cinematográfica. De baixo, de onde se escuta as vozes, distante dos fatos, longe do morro, não é possível ser preciso ao descrever o apreciar do seu encanto.
Daí então o poeta cumpre o papel que lhe cabe ao intelecto e ressalta a incrível arte de viver da gente do morro. Sim, ele conhece vozes do morro, elas o acessaram, e sua gentileza também. A vibrante música do morro. No período em que o poema foi publicado, eram inúmeras provas do poder ilimitado do morro da Babilônia e tantos outros.
Lá debaixo, da zona sul, onde o morro fica encravado, escuta-se um cavaquinho bem afinado  que domina os ruídos da pedra e da folhagem e desce até nós modesto e recreativo. O que o poeta não sabia, ou fingia não saber, como muitos em sua situação socioeconômica, é que aquele cavaquinho era muito mais que modesto e recreativo, ele era e ainda é uma arma de longo alcance, comunicação e poder de persuasão, que ilude finos pensadores e seus resquícios de escravidão.
A voz que desce do morro é história de terror, é morte, encanto e mesmo assim, como diz o próprio poema, nem sempre são tristes ou fúnebres. Ao contrário, dominam e cantam toda a gentileza do morro.
Mirando o passado, através do contexto histórico que permeia a história das favelas na cidade do Rio de Janeiro, Carlos Drummond de Andrade, inclui extrato da época da escravidão, continua a poética na mistura de etnias, responsável por uma língua geral, aponta ao cenário militar representando as guerras em andamento no mundo e por fim encontra no seu próprio olhar, o presente paradoxal que supera a dor histórica com a arte popular, a música do morro. E para contrafrasear com o paradoxo temporal, o paradoxo social: no mesmo lugar de onde descem vozes que criam terror, desce o som da gentileza.

Peço desculpas professor, se fugi um pouco da proposição, mas duas ocorrências em nossa aula mexeram muito comigo: Numa você disse, analisando um poema, que “na maioria das sociedades a cor negra é associada à morte” e noutra disse que “quando se fala em subúrbio, remete-nos a lugar de ‘mal aparência’(ou termo semelhante)”. Sou do subúrbio e sou descendente de negros e suas colocações se apresentaram para mim como um discurso destoante da realidade (e beleza) que identifico na minha história e lugar, e me considerando poeta marginal, não encontro razões para creditar a pontos de vista, em vez de pontos de vida. Coloco-me de dentro de uma comunidade que é maioria em contingente e que detém menores poderes, e a duras penas conquista pequenos percentuais nas instituições de maiores poderes, ocupadas por minorias. Este é meu lugar de fala e ele tem o poder de desconstruir discursos centrais e fundamentados em bases subversivas. É o meu papel na história que se escreve.

Tentei analisar também em função de um dos paradoxos do Drummond, a questão do presente, passado e memória para não me prejudicar no resultado da avaliação, mas não poderia deixar escolher esse poema, e trazer essa análise em particular.
Saudações.


Natureza França

sábado, 24 de maio de 2014

alegoria da raça ou alforria da dor


choro em oração sem saber 
o que diz meu coração
da emoção que não sei traduzir.
quem sabe é a alma, ela conhece a luz

eu danço em oração no equilíbrio da roda
onde o divino recebe a todos e suas preces 
que sobem pelos pés como um vulcão
e o suor lança ao infinito as preces do chão
que são nossas também

tem festa de reis:
rei negro foi o primeiro a chegar
para ver o menino jesus

nas bandas do rei tem samba de roda e jongo
coco e maracatu
na roda onde cantam as vozes do ontem
responde a alma, o corpo e as palmas.
na roda o povo é rei


acreditou-se apagar, desaparecer
mas os santos deuses negros são 
nossos cânticos os veneram para que mostrem o caminho
onde elevamos o ser


a gente vive, existe e festeja
na história que a gente risca 
a gente resiste às borrachas do poder


nossa alegoria é a alforria da dor que se vai. vai dor...
vai que não há nada mais reluzente neste mundo
que a história de nossa cor.



em 27/04/2014

lua

entardecer na estação
à espera do trem

já ele vem me levar pra ver o sol
que já se vai

no trem do verão
o sol desce depois da ave maria

lá vem maria
mãe da noite e senhora da escuridão



em 07/03/2014

segunda-feira, 19 de maio de 2014

eu choro


eu choro.
choro ao falar com você
choro querendo te ver
choro...

não adianta pedir
emoção não sei calar
choro para te sentir
choro e não quero chorar

distante aqui
choro querendo-te
bebendo-me
consumindo-te o suor

choro e não sei parar
até parei de sambar
pensando em você
chorei de parar

parei de chorar e lembrei
tornei chorar e cansei
não encontrei saída
e choro ainda

choro o tremor do trem
passando até as tantas 
e meu corpo tremendo às tantas
em cima do teu

sim, eles conversam entre si
tomando todo vazio entre nós
vão por vão de vento se vai
e eu choro de saudades de você

eu choro, choro e choro
o cheiro do teu corpo quase preto
tinturando a minha pele mestiça.
chora o meu corpo cheio de ti




quarta-feira, 16 de abril de 2014

a greve no subúrbio


Aqui na maré o mundo parou para o mundo não parar.

O mercadinho à meia porta. Na mercearia os assíduos falam do menino que foi assassinado perto da linha do trem. “Até hoje eu só vi duas pessoas morrerem na mesma data que nasceu”, comentou o homem.

Minha mãe acamada não cansa de apontar o lindo dia que faz lá fora.

Na rua um grupo de meninas também fala do principal assunto do dia até então. “Eu estou mais sentida que você, mulé. Se ele tivesse me escutado um tatinho assim...” diz uma delas. A outra complementa dizendo “e eu, que já chorei pra porra hoje?!”

A mãe que foi mariscar acaba de ligar pra casa ordenando que “não saia ninguém! Passou uns caras armados por aqui agora!”

Bom dia fulano, bom dia irmão.

A rua está calada... Até o rádio do vizinho se intimidou. A voz a berrar pela favela parece um cantarolar. “Sobe o passeio que o canário tá na pista.”

A maré está seca... Mantém-se fértil e receptiva ao cultivador. Este sela uma relação de harmonia quando respeita e cuida da terra na curva mais bela, onde o Atlântico guarda sua água calma. O Sol, pintando, colorindo e prateando, escreve mais um dia na história dessa Baía.

A curva está silenciosa... Com a greve da Polícia Militar. São todos juntos e alegres como sempre, mas temor se dá de dor em dor. Aqui Deus faz a parte Dele todos os dias, mas o Estado, deus e escravo do desenvolvimento forjado pelo império – ou inferno – econômico contemporâneo, ignora o potencial humano, condenando nossa gente à escassez de oportunidades e recursos.

O olhar está distante... O comerciante vê lamentoso o horizonte. Seus clientes matinais não vieram para a resenha hoje. Naquela praça, logo ali estariam as mesas cheinhas de adultos a beber, se divertir e talvez exagerar.

Lá fora é caos agora... Trago fumaça que se transforma em nuvem de paz, se expande e ocupa cada vão do corpo meu.


Sem sair, passeio por Tubarão inteiro e pelo mundo que parou para o mundo não parar.


quarta-feira, 9 de abril de 2014

o chá

o flagrante está no olhar
o flagrante somos nós

só estamos mirando o mar
e todo mirante é militar

chegue, estamos aqui
nos pisos portugueses

eu topei num pedaço solto da calçada
eu topei num cigarro e peguei

olha o sorveeeete!!

o passeio era um jardim botânico,
o quintal do imperador

em paz miramos o mar
e o sol de todos os santos

já pensou, se os homem chega...?

mostre a identidade
onde guardou  aquele cigarro

"vocês gostam é disso...
essas coisas de vagabundo!"

eu vou é indo...
preciso dançar

agradeço a rosa, a inspiração...
agradeço o chá


domingo, 23 de março de 2014

na casa de batatinha

dançar na casa de batatinha
é me embriagar de música,
resistência e ancestralidade

a casa amarela da árvore na ladeira
é uma fonte de ar que carrega vida
onde ainda vive o homem que tudo começou.

dançar na casa de batatinha
é me embriagar de poesia, 
samba e madrugada

ouvir um conto de história
cantar a lua
rir e chorar

dançar na casa de batatinha
é amor, devoção
e muito mais: sambar

inexplicavelmente sambar.

sexta-feira, 21 de março de 2014

negrinha



clariôôôô

ô mainha, chegue aqui
o sinhô abusou
abusou, mainha
sinhô abusou de mim

quero voltar mais lá não
quero não, mainha
deixa eu voltar lá não
quero não

antes do sol rasgar
sinhô rasgou meu pano.
eu tô com vergonha de mim, mainha
tem dó, deixa eu ficar

sinhô disse assim:
"fica de quatro, nêga!"
sou bicho não, mainha
bicho eu não sou

vamo embora comigo, mainha 
vamo agora pra Palmares.
vem mainha,
vai ser bom!

sinhô se lambuzou
e sinhá derramou meu sangue
agora eu tô ferida e tô doente
tem folha que cura alma, mainha??

meu Olorum... soberano criador
me lava
Exu... guardião e senhor
me leva

meu axé, 
minha fé, 
meu orixá... 
hão de limpar toda sujeira que branco criou.


obra: cabeça de mulata, di cavalcanti


domingo, 9 de março de 2014

minha carne é de carnaval, meu coração é igual

Aquela cidade fria...
Inverno no verão da periferia

No campo, areia molhada
a gota de chuva é arco-íris na ponta do capim
e o pequeno goleiro descansa na grade
que já não tem

Subúrbio é saudade da cidade do interior

Para a avenida levo banho de alfazema
com  alívio de meditação,
levo a paz da oração
e o incenso perfumado

toda luz de um canto esquecido da cidade.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

boa viagem. se cuida. eu te amo.


voos rasos na lembrança
dois chamados,
espontâneos certamente,
duas respostas

uma mensagem inflou o peito 
no ventre, uma serena montanha russa 

estive com você num sonho desses
acabo de me lembrar...
aliás, volta e meia sensação traz 
sua presença em minhas viagens oníricas;

viagens tão profundas,
incapazes de emergir por completo
às lembranças

vi, vendo os icebergs que vivo
no mar de dormir

queria te ver
fruto do cio,
fugaz certamente,
teu abraço é um presente

mas aprendi a expirar todo ar
depois de uma forte inspiração,
aprendi também a acalmar a tez
os ombros, as pernas e os pés
e hoje ainda aprendi
a soprar todo ar que traz saudade 
sopro bem forte
até o umbigo colar nas costas 
e tudo ficar bem
bem leve
 

como agora,
durante toda a carta sonhos de outrora
trouxeram a tua energia...

me recordo que só deitei na cama para te escrever a mensagem:
"boa viagem.
se cuida.
eu te amo."